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IX- Os segredos do garoto

 

Tércio olhava para a funda que Estephenor tinha feito para ele. Cada pedra que Estephenor lançava fazia um caminho incrível pelo ar. Tércio não sabia o que dizer.

O garoto não era mais o menino que chegara a Helos sob os cuidados de Lépida. Ainda era magro  mas já tinha 11 anos  e era um escravo da confiança de Tértulo. Sabia observar os segredos dos adultos, sabia relatar tudo, em secreto, a Tértulo.

Tércio tinha uma boa amizade com todos os escravos da casa, não apenas os troianos, mas também os gregos, os hititas e os hilotas. Tércio chegava com uma simpatia,   fazia uma pergunta interessante, ou uma brincadeira, e pouco a pouco descobria os segredos dos escravos. Mas naquele momento ali, olhando para a pedra voando, ele não pensou em nenhum segredo. O garoto de ‘boca aberta via sonhos seus voando junto com aquela pedra. Iria lutar com coragem, derrubar soldados fortes, apenas com uma pedra. “Vingança, Vingança, Vinganca ” Ele se imaginava gritando, enquanto corria girando a sua funda.

Enquanto Tércio sonhava, Tértulo chegou.

– Tércio, me acompanhe.

Tértulo estava a cavalo, mas o garoto se esforçava correndo para acompanha-lo. Tértulo já não era tão jovem, mas as linhas no seu rosto realçavam a  sua força. O garoto desejava ser forte como ele,  forte, para lutar contra ele. 

Um pouco a frente, em meio aos campos de trigo, Tércio viu outro homem montado a cavalo em meio a um grupo de escravos: 

– Majestade, Tértulo gritou, encontramos as armas escondidas.

– Onde elas estavam Tértulo?– A voz do rei não era áspera.

Tértulo aproximou-se para contar os detalhes ao ouvido do rei. Tércio, que estava a distância, não podia acompanhar a conversa e observava o rei. Sua aparência não era tão forte como a de Tértulo. O rosto era mais cumprido, e havia algumas entradas na testa. Mas,  a barba loira,  o nariz bem desenhado, e a firmeza do olhar mostravam que ele era o rei.

Quando Tércio finalmente se aproximou, ouviu o nome de Deádalus .

– O maldito troiano me contou com os seus olhos. Eu perguntava a ele, e mesmo com torturas, ele não me dizia o lugar. Então, comecei simplesmente a citar lugares. “ No palácio? Nas plantações de trigo? Nas pedras próximo ao rio? Os olhos dele temeram quando falei sobre o rio.” Foi por isto que não tive medo de mata-lo.

Tércio via seu irmão mais velho queimando no meio do fogo. As memórias voltavam vivas a sua mente. Enquanto as lágrimas desciam no seu rosto, outra voz forte surgiu. “Não, não pense em seu irmão. Não pense em seu irmão quando estiver perto de Tértulo.” A voz era o conselho de seu irmão do meio Galem. Mas Tércio não conseguia esquecer Deádalus.

Ele tentava lembrar de Nephele, do dia em que os dois dançaram em rodas e ele conseguiu segurar a mão dela. Mas, nem aquilo parecia especial naquele momento. Ele não conseguia parar de chorar. Por isto correu para o meio da plantação e se escondeu atrás de uma árvore.

Tértulo não podia ver o garoto daquele jeito, ou descobriria tudo. “ Ele devia ter feito algo, devia ter feito. Mas, não conseguiu salvar seu irmão mais velho. Tértulo havia descoberto tudo. Deádalus estava morto. Tértulo sempre conseguia tudo que queria. Parecia que ninguém era mais poderosos do que ele. Nem Menelau, nem mesmo os deuses. “

 Naquela manhã Tértulo havia chamado Tércio e Nemanas, um garoto hitita, a fim de explicar alguns acontecimentos importantes da história de Helos. Já havia cinco anos que o palácio fora edificado. Enquanto Menelau corria atrás do seu objetivo, criar um lar de paz para sua família, o poder de Tértulo crescia. Os primeiros anos no palácio de Helos foram marcados por algumas disputas internas.

Hermíone e Nicostratos haviam crescido sem a presença dos pais. E, era difícil se acostumar a estar sob autoridade deles. Em particular sob a autoridade de Helena. Ela se dispunha a transformar pequenos hábitos característicos dos jovens, como também de Menelau. Hermíone, por exemplo, não devia prender o cabelo com fitas, ou com arranjos com tecidos, um dos costumes da Grécia. Mas, deveria trançá-los. Nicostratos, contra todas as suas recusas, deveria ser arqueiro. Menelau, antes das refeições, deveria sempre oferecer uma libação a Afrodite e Áries, deuses que estavam irados com a destruição da cidade de Tróia. Os escravos que serviam vinho, ou outros manjares mais nobres, sempre deviam entrar pela porta direita e sair pela esquerda. Enquanto os demais deveriam sair pela porta que entraram.

Detalhes como estes não eram irrelevantes para Tértulo. Ele esteva atentos a pequenos fatores para  que pudesse manipular os acontecimentos de forma favorável, e foi com os desentendimentos que criou usando detalhes preciosos a Helena, que Tértulo conseguiu minar a autoridade de Oebalus, e se tornar o primeiro naquela casa. Enquanto a família real se dividia, Tértulo se aproximava de todos.

Mudanças em pequenos hábitos como estes criavam conflitos, e aumentavam a distância entre Helena e Hermiône. Helena buscava o auxílio dos sacerdotes e das pitonisas. Mas, percebia que a doçura de Hermíone era o principal obstáculo no seu empenho de conferir a sua família hábitos semelhante ao dos “deuses do Olimpo”. Por este tempo, Helena também chegou à conclusão de que Andrômeda não estava sendo uma boa influência para Hermíone, e por isto Tértulo lhe sugeriu que ela fosse tomada da jovem e passou a servir sua mãe.

Diante destes problemas Menelau fazia de tudo para acalmar seus filhos, para contentar sua esposa. E, Tértulo também fingia ajuda-lo, mas também, ajudava Helena. Ele estava satisfeito com o poder que alcançava sobre Menelau, Helena e Hermíone.

Seu poder sobre os escravos também estava mais fortes. Há dois meses  se descobriu que Deadalos e mais três jovens escravos troianos, Pearce, Hecate e Narek estavam arquitetando um plano para matar Helena e Menelau. Os três foram queimados em um grande forno na presença dos outros escravos troianos.

Tércio se revoltava quando se lembrava do acontecimento. “ Meu irmão foi morto, e você ficou feliz porque aumentou o seu poder. Mas, um dia vou me vingar. Você descobre o segredo de todos. Mas, nunca vai descobrir o meu. E quando menos esperar, eu vou te apunhalar 300 vezes pelas costas.“

Tércio chorou. Depois começou a fazer seus planos de vingança, e se acalmou um pouco. Neste momento, percebeu que a voz de Tértulo não estava mais por perto. Então resolver voltar ao grupo dos escravos que caminhava em direção as montanhas. O velho Alceste foi o primeiro a vê-lo:

– Onde você estava Tércio, Tértulo perguntou por você? E que cara é esta?

– Tértulo não pode saber que eu estava chorando. Por favor, me ajude. Eu sei que você não é um velho covarde. Eu sei que você é corajoso.

– Tértulo diz que sou um covarde? - perguntou o velho, que apesar de barba mal feita e da fraqueza , passava uma certa autoridade pela sua aparência.

– Sim, mas eu sei que não é.– Respondia Tércio ainda com a postura de choro.

– Então, Alceste, vai me ajudar? Preciso encontrar um motivo, para explicar a Tértulo porque não estava aqui. – A voz do menino ainda soava aflita.

Antes de Alceste responder surgiu  outra voz conhecida.

– Tércio, onde você estava? Tértulo estava perguntando por você. Porque você desapareceu?

Era Lépida, a escrava que era uma espécie de mãe adotiva para Tercio. Ela falava tão alto, e com tanta inquietação, que logo chamaria atenção do rei que cavalgava mais a frente dos escravos do grupo de escravos que ia em direção as montanhas. Tércio precisava falar algo para fazê-la parar.

– Você não é minha mãe. Minha mãe se chamava Laconda, ela tinha uma voz doce e não parecia uma louca horrorosa.

Lépida parou de falar. O rosto imóvel, ferido, queria responder algo terrível. Mas uma escrava hitita, Maaca se aproximou dos três troianos, de modo que Lépida, que não confiava em ninguém que não fosse troiano, desistiu de responder algo. Quando todos interromperam a conversa o velho começou  a murmurar consigo mesmo.

– Eu sou um covarde, eu estava bêbedo.

Tércio sabia porque o velho falava assim. Alceste nunca esquecia que quando o cavalo de madeira entrou pelos portões de Tróia, ele, havia festejado com alegria a vitória do povo troiano. E comeu, e dançou, e bebeu. Até que a bebida o derrubou num poço seco que havia na entrada da cidade. Ali ele ficou, enquanto ouvia os gregos entrando e destruindo a cidade. E apenas no romper da manhã , quando a sede grega por sangue, já estava um pouco satisfeita, Tértulo o encontrou ali.

Tércio tentava animar o velho.

– Alceste, é verdade que Aristeu está ficando importante?

Certamente – Respondia Alceste com a voz que procurava soar com naturalidade. – Ouvi dizer que Aristeu, que sabe escrever e contar, vai receber a responsabilidade de cuidar da dispensa do palácio. Todos os mantimentos, vestimentas, e instrumentos de trabalho passaram a ser administrados por Aristeu. Tértulo quer mostrar que, apesar da revolta os gregos e troianos que cooperam podem viver em harmonia.

Tércio já sabia de tudo aquilo. Não conseguia falar com a linguagem de Alceste, mas sabia mais do que ele. E ficou feliz de perceber que, com a mudança de assunto, o ancião parou de se queixar de ser um covarde . Tércio então correu em direção de Naala

A garota, sua irmã adotiva, caminhava com o olhar fixo nas montanhas e nas árvores que estavam nela. Não dizia nada. Tércio que se sentia um pouco culpado, pelo que tinha dito a Lépida, puxou o assunto.

– Naala, porque você não chama Lépida de mãe? Eu sei que ela ia ficar feliz se você chamasse ela de mãe.

– Você também não chama ela de mãe.

– É porque sempre me lembro da minha mãe, Laconda. Meu irmão sempre me fala dela. Mas, você sabe nada da sua mãe. Podia chamar Lépida de mãe.

– Eu sei uma coisa importante. Ela era uma princesa...

– Isto, não é verdade, Naala. Você sabe.

– É verdade, sim. Na noite em que Lépida me encontrou ela me disse: “Sua mãe é uma princesa, e me enviou para cuidar de você”. Eu também tenho uma mãe especial, Tércio, e não quero me esquecer dela.

Tércio não acreditava no que Naala dizia, queria argumentar algo. Mas, Naala parecia tão segura da ideia.

– Você já viu como sou diferente das outras meninas? Eu gosto de coisas que ninguém gosta.

– Como o que?

– Olhe as árvores que estão montanha. Lá tem algumas figueiras, uma figueira, duas, três, quatro, cinco figueiras. A quantidade de figueiras cabe nos dedos desta mão. Isto é incrível. Do outro lado tem a quantidade de figueiras que cabem nos dedos dos meus dois pés. Existem montes, cinco montes, como na minha mão direita. Veja eu já sei o nome de vários números. 1, 2, 3,4.

 Naala dizia enquanto apontava os dedos da mão e dos pés. Quando chegava ao terceiro número da sua mão esquerda não conseguia lembrar o nome. Mas, com satisfação se lembrou do último.

– “É dez”, o último é dez. Eu queria saber o nome de mais números! Quem mais sabe dessas coisas? ...

– Talvez Andrômeda. Ela é uma princesa, não é? Deve saber os números... Pergunte a ela.

– Você viu? Eu gosto de coisas de princesas, coisas que só as princesas sabem e vou aprender mais.– A voz da menina estava confiante, mas apenas Tércio a ouvia falar daquela forma. Com os outros ela era muito tímida – Um dia, quando aprender todos os números, poderei dizer ao rei Menelau quantos árvores de figos, ou tâmaras tem em suas terras. Poderia contar os bois, os cavalos... Os cavalos são um, dois, três... Oito cavalos, ah finalmente me lembrei do nome do número esquecido, era oito...

Tércio se afastou de Naala e correu de volta para Alceste. Ele estava um pouco decepcionado com ela. Gostava da menina, era sua irmã adotiva, mas não entendia porque ela queria tanto agradar os gregos. Se talvez ela fosse um pouco diferente ele poderia contar seu segredo para ela. Mas, não podia, ela não queria vingança, parecia estar acostumada a ser escrava. Enquanto voltava para Alceste ele ouviu o velho cantar: 

 

Rainha de Tróia veja quem és.

Se tivestes um berço de prata,

no ouro batido lavarás os pés.

Vejo seus senhores te açoitando,

mas não serão capazes de deter,

o dia em que se levantando

entrares no portal para vencer.

 

 Agora os escravos começavam a subir os montes que ficavam atrás da planície. Iam trabalhar colhendo tâmaras. Como o serviço de colher tâmaras não era tão pesado, apenas 8 escravos estavam encarregados deles: Alceste, Tércio, Naala, e Lépida Alceste, a escrava hitita, e seus três filhos, e o escravo grego Eumeu.

O rei Menelau, tendo em vista que Helos crescia, e não era mais apenas um palácio, resolveu fazer algumas mudanças na estrutura do local. Uma delas seria a construção de um posto para uma sentinela numa das colinas centrais que ficavam ao fundo do palácio. Com este fim Menelau se propôs a acompanhar os escravos que iam colher tâmaras.

Enquanto subiam Alceste continuava cantando: "Rainha de Tróia, veja quem és". Tercio ouvia a música de Alceste e pensava. Talvez um dia possa contar tudo para Alceste. Alcestes havia sido um copeiro no palácio de Troia, até seus 50 anos. Ele entende de Troia, entende de vingança. Ele está cantando uma música sobre vingança. Então, com algum receio ele olhou para o rei.

“E se o rei Menelau ouvisse a música? E se ele descobrisse tudo? Menelau, não escuta nada. Ele só escuta os gritos de Helena, e suas reclamações. Tértulo dizia sobre Menelau: “ Não precisamos mais nos preocupar tanto com Menelau, Helena o tem como seu prisioneiro.” Tércio sabia o quanto Tértulo estava certo, a pouco tempo ele havia ouvido Helena gritando com Menelau, e o chamando de rei tolo. De repente uma ideia surgiu na mente de Tércio: "Menelau, ele vai ser minha desculpa."

 Tércio pensou um pouco a respeito do seu novo álibi. Vou dizer a Tértulo algo sobre Menelau. Vou dizer que, enquanto corria , eu tropecei e caí. E que quando cheguei Tértulo já tinha ido e Menelau me chamou para ir com ele. Ele sabia que eu sou bom em subir nos galhos mais altos para colher frutas. Menelau nunca vai se lembrar de uma coisa dessas. Ele nunca vai dizer que não. Só preciso mancar por alguns dias e pronto. Talvez preciso de uma cicatriz, e Alceste. Sim, ele vai me ajudar. Ele vai confirmar tudo. E Tértulo vai acreditar, porque não desconfia de Alceste, ele acha Alceste um covarde.

 

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