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VII- As noites de uma princesa

 

 Três dias antes antes de se encontrar com Helena, Andrômeda estava no quarto das escravas , e desfazia sua trança , para então, com os dedos, desembaraçar seu cabelo. O seu cabelo, comprido até os joelhos, trazia um pouco da dignidade que ela tinha quando era uma princesa, fazia Andrômeda se sentir uma princesa. Mas, será que devia se sentir como princesa?

" Hoje fiz um comentário tão desnecessário que podia ter dar problemas". Ela estava conversando com Hermíone (como se a conversa fosse de “ princesa para princesa” ) quando lembrou de um óleo perfumado que suas escravas passavam no seu cabelo. O óleo era feito de alecrim e manjerona, e algumas flores que ela não se lembrava do nome. O comentário, que devia ser um simples comentário, lhe rendeu uma difícil tarefa.  E Hermíone lhe pediu para produzir um óleo perfumado. Andromeda nunca havia feito perfumes e cosméticos antes.

Mas, no final as coisas foram mais fáceis do que Andrômeda havia imaginado. Tértulo ofereceu a Andrômeda que tomasse 4 meninas para ajudarem em sua tarefa. Foi difícil escolher as meninas, porque a maior parte delas queriam ajudar a princesa. Então, Andrômeda escolheu algumas com quem tinha menos contato, deixou Trífone e Lalita de lado, e escolheu Dione, Stesha, Lena, e Nephele . Ao cair da noite, de volta ao quarto das escravas, Andrômeda recordava o dia agradável que passou com as meninas.

Elas haviam corrido pelos campos em busca de ervas aromática. E, pela graça, do Príncipe dos céus, as meninas encontraram uma flor diferente, mas muito perfumada. Usando o pouco que sabia da técnica de maceração, que consistia em colocar as pétalas em azeite quente,  Andrômeda conseguiu preparar o perfume. De modo que Andrômeda agradou Hermíone, e recebeu um elogio de Tértulo.

Foi Stesha, menina de cabelo ondulados que encontrou a flor. Ela voltou correndo para Andrômeda dizendo:

–Eu encontrei porque sou a mais corajosa de todas as meninas.

Stesha era uma menina alta para sua idade, era bonita e conversava bastante. Andrômeda havia perguntado a Stesha, porque ela queria ser corajosa e a menina lhe contou sua história. Uma história triste.

Ela havia perdido sua mãe e suas duas irmãs. Quando a casa em que morava começou a pegar fogo, por causa da guerra, Stesha e suas irmãs correram para o terraço da casa. A casa era alta, mas sua mãe, que estava em baixo, gritava. “Vocês precisam pular, não fiquem com medo, eu seguro vocês”. Stesha pulou, mas suas irmãs tiveram medo da altura. A mãe tentou entrar na casa para buscar as irmãs, e não voltou mais. Depois disto Stesha resolveu que sempre seria corajosa.

A forma como Stesha contava com naturalidade sobre um passado tão triste surpreendia a Andrômeda. “Ela é uma criança, mas tem sabedoria. Ela aprendeu com o passado, um passado tão triste, mas não se abate com ele.." Andrômeda queria ser grata como a menina. E pensava que, na verdade, estava bem. Desde que passou a servir a Hermíone começou a melhor fase de sua vida como escrava.

Hermíone não a tratava com hostilidade. Ela a enchia de perguntas sobre Troia e sua mãe, e tratava Andrômeda com certa consideração.

Andrômeda começou a recordardas suas conversas com a jovem princesa. Lembrava cidade de Troia, e quando percebeu, já havia inclinado seu rosto sobre os joelhos,  estava dormindo. Percebendo que estava nesta posição achou que era melhor deitar, o cabelo ficaria  para o dia seguinte.

(...)

Na noite seguinte, quando Andrômeda chegou ao quarto das escravas , não pensava em nada além de dormir. A escrava deitou esperando uma boa noite de sono. Mas, logo se sentou.

Agora entendia que aquela noite seria difícil. Ela fechava os olhos e aquelas cenas voltavam vivas as suas mentes. Via uma espada, via sangue, via um bebê, o seu filho estava morto. O desespero tomava conta dela. Não queria chorar novamente, não queria que ninguém a ouvisse. Então fechava seus olhos, mordia sua boca. Mas, gritava: “ Neoptoleno, o meu filho, não mate meu filho.”

Então, sem entender bem o porquê as cenas se mudaram.

Andrômeda viu um homem, um homem com as mãos feridas . Ele havia ferido suas mãos ao proteja-la de Neoptolen. Tinha uma roupa simples, também não tinha o rosto perfeito, e ainda assim era atraente a Andromeda. Ela o amava. Ela se sentiu protegida perto dele. E apenas de se lembrar dele já conseguia recuperar um pouco daquela uma sensação de tranquilidade e segurança.  Ela enxugava seu rosto, abria seus olhos. E via uma menina diante de si.

Uma menina? A menina não era parte dos seus pensamentos, mas estava bem ali diante dela.

– Naala, você devia estar dormindo. Porque você está acordada, meu amor?A menina com os olhos abatidos respondeu:

– Eu vi você chorando. Você não devia estar chorando. Você é uma princesa. Andrômeda deu um sorriso e respondeu:

– Princesas também choram, Naala.

– Mas, você não merecia chorar. Você é uma linda princesa. Você nunca faz nada errado.

– É claro que faço coisas erradas, Naala.

– Quando estávamos no navio, e começava uma tempestade, eu ouvia você cantar tão bonito... Eu ficava tranquila. Lépida também me disse que nunca ouviu você chorar desesperada. Ela me disse que você falava sempre com voz suave, e que estar perto de você fazia ela se sentir bem. Eu queria ser igual a você.

Andrômeda olhou para Naala e sorriu mais uma vez. Andrômeda se sentiu livre, ela estava no lugar onde realmente escolheria estar.

– Naala, deite-se aqui do meu lado. Eu quero te contar uma história. “Havia um pequeno peixinho que nadava nas águas de um grande rio”. Aquele peixinho tinha um sonho : queria subir  rio acima. Então, ele juntou as forças das suas nadadeiras e começou a nadar mas, as águas do rio eram fortes e o peixinho quase não conseguia sair do lugar. Ainda assim o peixinho continuava se esforçando para nadar para cima do rio, enquanto as águas do rio faziam o peixinho ir pra baixo. O peixinho se virava para cima e sentia as águas fortes do rio batendo, se esforçava para ir rio a cima, mas não conseguia. Até que o peixinho começou a mudar de idéia. Não sei se foi porque o peixinho percebeu que não tinha como nadar para cima, ou se foi porque as águas bateram tanto na sua cabeça, que ele mudou de idéia. E o peixinho acabou começando a se soltar diante da força do grande rio. Pouco a pouco ele pode perceber como era gostoso se soltar e simplesmente deixar o rio o levar. Ele agora colocava suas nadadeiras na direção das águas e não contra elas. E foi assim que o peixinho nadou e nadou muito. Ele nadou tanto que chegou ao mar. Quando ele chegou ao mar se encontrou com outros peixes. Peixes grandes e médios. Eles olharam para ele perguntaram: Você é um pequeno peixinho de Rio, como começou chegar até o mar? O peixinho respondeu: Não fui eu, foi o grande Rio que me trouxe aqui.

Eu sou como aquele peixinho Naala. E você sabe quem é o grande Rio?”

– Não. – Naala participava da conversa com sua querida princesa, mas já mostrava sinais de sono.

– É o príncipe de Uranon – Respondeu Andrômeda.

– Quem é o príncipe de Uranon? – Ele é um rei poderoso, que reina acima do monte Olimpo e dos deuses que moram lá. Ele me fez ser o que sou hoje, Naala.

Andrômeda queria contar ainda muitas coisas, mas percebeu que a menina já havia dormido. Assim, também fechou seus olhos e logo adormeceu.

A noite foi tranquila para Naala e Andrômeda. E, logo o dia amanheceu trazendo para as duas escravas muitas atividades.Andrômeda acordou antes da menina e voltou aos aposentos de Hermione. Lépida acordou a menina para que a acompanhasse em suas atividades.

Na noite seguinte, Andrômeda foi para seu quarto por uma caminho diferente. O quarto das escravas ficava no primeiro andar do palácio, ao fundo do quarto de Helena, do jardim interno, e do quarto de Hermione. Assim, as escravas que serviam Helena e Hermione, descansavam num local em que estariam facilmente acessíveis as suas senhoras. Mas, havia outro caminho para aquele quarto.

No andar inferior, no lado direito do palácio havia um longo corredor. Para aquele corredor se abriam varias portas dos cômodos em que os escravos trabalhavam. Ao final do corredor havia o quarto dos escravos masculinas, e uma escada bem rústica. A escada levava ao quarto de Tértulo e ao quarto das escravas.

Ao passar pelo quarto de Tértulo, Andrômeda ouviu voz de dor e de súplicas, era Alexia. Andrômeda não precisou escutar aquilo por muito tempo, para adivinhar o que estava acontecendo, ela entrou rapidamente no quarto das escravas e procurou pelo rosto das meninas. Ela não queria que as meninas estivessem ouvindo tudo aquilo. Quando ela entrou no quarto, aquele cômodo retangular iluminado pela chama de uma pequena lâmpada, Andrômeda percebeu que estava tudo normal. As meninas não se assustavam com a voz de Alexia. As feições das meninas estavam tranquilas. Elas se ajeitavam no chão, desenrolando o seu leito, e algumas conversavam. “ Tudo normal”

Andrômeda disse para si mesmo. "Tudo normal. Escravas são violentadas, e isto é normal? Princesas também são violentadas. O mesmo deve ter acontecido com minhas amigas, que devem ter sido violentadas e escravizadas. Para os homens as mulheres são como animais. E, eu sou muito sortuda de não ter sido violentada... ainda.

Não, não isto não é normal” Andrômeda repetia para si mesma enquanto sentava no seu lugar. "Não é normal. Ela pensava enquanto punha as mãos no rosto."Mas, ficar revoltada com tudo isto não me ajuda em nada também. O que posso fazer?”

Andrômeda tirou a mão do rosto e viu uma menina caminhando até ela. A menina não sorria, nem chorava, nem dizia nada, não demonstrar nenhuma expressão no rosto, como se estivesse enfeitiçada. A garota era Calixte. 

Mesmo sem demonstrar emoções Calixte se aproximou de Lépida e se deitou bem perto dela. Parecia que queria consola-la.

Andrômeda se deitou também, com uma mão abraçou a menina, com a outra começou a acariciar sua cabeça. “Não posso fazer nada por Alexia, Tértulo tem muitos homens para protegê-lo. Mas, preciso manter a calma para fazer algo por estas crianças." Andrômeda fechou os olhos e procurou se acalmar.

Quando abriu os olhos, um bom tempo depois, a lâmpada do quarto já havia sido apagada e o quarto estava escuro. Também não havia nenhum sinal da voz de Alexia. Mas, ela via um vulto de menina se afastando dela.

–Naala, é você?

– Sim, sou eu princesa. Hoje eu trabalhei bastante, mas não consegui esquecer de você e de como foi bom dormir com você ontem à noite. Por isto, eu vim aqui, devagarzinho, sem Lépida ver, para procurar você. Mas, no escuro não vi que você estava deitada com Calixte.

– Você ficou chateada porque eu estava com Calixte?

– Só um pouquinho, mas depois lembrei que Calixte era diferente de mim. Ela não ri, ou corre. Ela fica parada olhando para o nada. Lépida disse que ela é diferente porque sofreu mais com a guerra. Lépida disse que ela está sempre olhando e vendo a guerra e mais nada.”

 Naala deu um sorriso para Andrômeda e continuou falando com certo entusiasmo:

– Agora Calixte não vai ver mais a guerra, ela vai ver a princesa Andrômeda.

 Lágrimas desciam do rosto de Andrômeda enquanto ela via Naala se afastar e ir até Lépida.

"Eu sou uma mãe, sem o filho, e aqui estão várias crianças sem mãe. Foi para isto que o príncipe de Uranon me enviou para Helos."

Ela olhava para a escuridão do quarto que começava a esconder a silhueta de Naala.  Naquele momento tudo fez sentido para Andrômeda, ela entendia porque não era mais princesa. Ela pensava em dizer algo aos céus. A princesa fazia um juramento solene, embora apenas os seus lábios se moviam, e nenhum som saía:

– Nenhum dos sofrimentos vão me afastar destas crianças. Nada vai me convencer a não zelar pela vida delas. A onde elas estiverem eu estarei para mostrar amor. Castigue-me os céus dos céus se outra coisa a não ser a morte, me separar delas.

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