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Naala, sentada no chão de madeira, olhava a mulher de cabelos lisos que estava acima dela. A menina sentiu saudades da mãe, ela era muito diferente da mulher magra de cabelo liso. Sua mãe vestia roupas bonitas, tinha um cheiro gostoso. A casa que a menina viveu com a mãe também era diferente do lugar que a menina estava agora. A casa tinha teto, e  o chão não balançava. Era tudo menor, e não tinha tanta gente estranha.

Naala reparou o único amigo que não estranho. Ele que estava perto dela, sentado no outro lado da mulher de cabelo liso. Ele chorava de novo. Naala queria entender porque seu amiguinho chorava tanto. Mas, tinha medo de incomodar a mulher de cabelo liso.

As lembranças da mãe voltavam. Ela estava com sua mãe num quarto, quando um homem entrou chamando sua mãe de princesa. "Princesa" esta palavra era tão bonita. Naala queria ser princesa igual sua mãe.

A menina olhou novamente para o menino , ele tinha parado de chorar. Então,  olhou para a mulher, ela estava com os olhos fechados. Naala aproximou seu  rosto do menino e falou baixinho:

–  Eu sei porque está casa tem um chão que se meche. Esta casa é um carro grande que anda na água, ela vai nos levar para casa. Eu vou ver minha mãe. Ela é uma princesa.

O menino voltou a chorar. Naala se aquietou. Não sabia porque ele chorava , mas devia ter feito algo errado. E, não queria que mulher de cabelo liso acordasse.

Naala se encolheu no lado da mulher e fechou os olhos. 

Quando abriu os olhos,  já estava claro, e tudo parecia diferente. Mas, o menino estava ali. A mulher também. Do lado do menino, praticamente no ponto que o navio terminava,  estava um homem. Ele tinha as duas pernas feridas. A da esquerda estava decepada e enrolada em panos, a outra tinha apenas panos em volta da cocha.   Na frente de Naala tinha mais 2 mulheres. Uma gorda , a outra baixinha. Elas pareciam amigas porque conversavam sério.

Os homens que estavam na esquerda da menina , sentados num banco de madeira,  estavam mexendo um pau comprido e pesado. E parecia ter mais gente conversando, gente que ela não podia ver, pois estavam cobertos pelos homens que mexiam  o remo.  Então apareceu um homem de pé e estendeu um pedaço de pão para Naala. O menino comentou:

– Eu gosto de pão.

A mulher acordou. Ela também pegou o pedaço de pão. Naala acabou rapidamente com o pão. O menino estende o pão na direção de Naala.

– Eu não quero, está estragado.

Naala ficou feliz por ver que o menino ainda queria ser amigo dela. Ela ia pegar o pão, quando o outro menino maior surgiu:

– Tércio, eu quero mais pão, pode dar para mim.

– Pode comer, Gálen.

O menino maior desapareceu, para o lado dos homens com remos,  e ela ficou apenas com o seu amigo , o amigo que tinha o tamanho dela e que se chamava Tércio. Ela queria conversar mais, e não estava mais com medo da mulher de cabelo liso.  

– Minha mãe tinha perfumes – Naala introduziu um assunto importante para ela. 

– Perfumes?

– Sim, perfumes caros.

Naala lembrava dos perfumes sobre a mesa de sua mãe. Eles tinha frascos tão bonitos. Pequenos , bonitos, cheirosos. Naala estendia a mão para mesa  então, sua mãe a interrompia .

– Não, não. Não , não. – dizia a mãe – São perfumes caros.

 Naala desistia mais pegar os perfumes. Só olhava os frascos em cima da mesa .

O menino interrompia suas lembranças.

– O que é um perfume?

– É de passar aqui – Naala apontou para o meio do seu peito – Tem um cheiro gostoso. Quando nos encontrarmos com minha mãe, eu peço para ela te mostrar o que é.

Naala voltou a lembrar da mãe. Ela via a mãe passando perfume no pescoço, então a mãe a segurava no braço e pedia para ela sentir o cheiro. Naala aproximava o rosto da mãe, e sentia o cheiro  na parte do vestido que estava molhada  e que ficava bem no meio dos seios da mãe:

– Viu?  – a mãe dizia – Não é cheiroso? Por isto é tão caro.

Naala olhou para o menino e percebeu que ele estava com uma cara triste de novo. Mas, não chorava de novo. Ele perguntou:

– Eu não tenho mãe. Mas, tenho irmãos. Você tem irmãos?

– Não , só mãe.

– Eu tenho só um irmão, se chama Gállen, ele está ali na frente. Eu não tenho outro irmão que se chama Deádalus, só tenho um que é Gallén.

A mulher de cabelo liso interrompeu.

– Parem a conversa , estão falando de mais.

Depois disso , Naala perdeu a coragem de falar de novo. Ela só ouvia. Ouvia o barulho do mar, e das pessoas. Ela passou o dia tentando conhecer as pessoas que estavam ali.Ficando de pé ela descobriu que  haviam mais 3 meninas. Uma delas, chamada Nephele, era bonitinhas, as outras duas tinham marcas estranhas no rosto. Naala percebia que havia mais meninas na parte debaixo do chão, mas não sabia o nome delas. Depois de descobrir tudo isto, Naala ficou querendo se levantar. Mas, a mulher de cabelo liso , chamada Lépida, não deixava. Naala queria muito ver as meninas que estavam perto dela. Mas, Lépida a segurava com força.

Então,  como não tinha nada para fazer, Naala dormiu um pouco a tarde .Um tempo depois acordou com a conversa das mulheres que estavam a sua frente. A princípio, ela apenas ouvia a conversa, ainda tentando dormir. Mas, realmente despertou, quando viu que as duas mulheres conversavam com seu amigo Tércio.

– Você ,  nunca ouviu a história da Guerra?  – A mulher gorda perguntava para o amigo de Naala.

– Ouvi, mas ninguém  me disse que a culpa era da deusa Eris. Meu pai sempre disse que era culpa de Páris e Helena.

– Sim, é culpa de Páris, mas foram os deuses que começaram –A voz da mulher gorda, era firme rude. Mas, o fato de que estava conversando com Tércio, fazia Naala entender que ela não devia ser tão ruim quanto sua aparência. A mulher continuou:

– Um dia a deusa Eris,  deixou na presença das deusas um pomo de ouro, onde estava escrito “ deve pertencer a deusa mais bonita” . Hera, Atena e Afrodite disputaram o título de mais bela. Zeus não quis ser o juíz, para não descontentar ninguem, disse que Páris deveria decidir a disputa. Naquela época Páris estava vivendo com pastores.

– Porque o príncipe estava vivendo com pastores? – O garoto perguntou , mostrando que acompanhava bem a história dos adultos.

– Ah, isto eu não sei – respondia a mulher gorda.

– Bem, eu apostaria – interrompeu a mulher baixa do lado – que  ele acabou se envolvendo por alguma mulher casada da corte de Tróia, e por isto teve que fugir e ir para o campo.

– Sibila, não pense sempre tão mal do príncipe Páris. Ele era um jovem corajoso, lembre que foi ele que vingou a morte do príncipe Heitor, e matou Aquiles atirando um flecha no seu calcanhar. Mas, deixe continuar explicando ao garoto. Para ganhar o título de "mais bela", Atenas ofereceu a Páris poder na batalha e sabedoria, Hera ofereceu riqueza e poder e Afrodite, o amor da mulher mais bela do mundo. Páris deu o pomo a Afrodite. Por causa disso, ele raptou Helena, a mulher mais bela do mundo que era esposa do rei Menelau.

– Ah isto eu sabia. Meu pai me contou que o rei Menelau estava furioso e chamou os amigos dele para irem contra Tróia. Então, por isto  todas as mortes foram culpa de Páris.

– Não, não foi  tudo culpa do príncipe Páris, foi um destino dos deuses. Eles não iam vencer se não fosse o cavalo. E foi Atenas, que deu para Odisseu a ideia de colocaram soldados dentro de um cavalo de madeira e para dar de presente para a nossa cidade.

– Eu acho que se o príncipe Heitor estivesse vivo ele não ia ter deixado colocarem o cavalo dentro da cidade – Finalmente,  o homem, que tinha a perna decepada, e amarrada com panos, entrou na conversa.

– Eu concordo com você,  Heitor sempre foi melhor comandante do que  Páris, ou Deífobo.– Repondeu Sibilia, a mulher mais baixa.

Neste momento, e eles pararam a conversa. Todos pareciam assustado com alguma pessoa que viam acima dos remadores. Um pouco depois,  Lépida falou com uma voz baixa.

– Andrômeda, esposa de Heitor, está no navio. Foi capturada , e está na parte debaixo do navio. Ouvi os soldados comentando sobre isto. 

A mulher gorda e a baixa olharam uma para outra com uma expressão que Naala não entendia. A menina tinha entendido pouco da conversa, e não sabia porque eles pararam de conversar de repente.

Quando a noite começou a descer as lembranças da mãe voltavam à mente da garota. A última vez que ela viu sua mãe estava de noite. Ela estava deitada, e tinha passado um perfume de cheiro diferente em volta do pescoço.  Sua mãe  estava cansada e dormia. E o perfume tinha um cheiro  e uma cor forte.

Naala lembrava bem, porque ela sempre gostou de perfumes. Quando ela sentia o cheiro gostoso que vinha dos pequenos fracos de barro, ela queria muito descobrir o que tinha dentro. Um dia sua mãe mostrou para ela como era dentro. Naala se decepcionou. Eles não tinham a cor brilhante, que Naala imaginou. Tinham apenas um liquido clarinho, esverdeado,  ou marrom, a cor desaparecia quando sua mãe colocava sobre seu vestido, bem no meio dos seios. Ficava apenas o cheiro gostoso. Teve apenas aquele dia que Naala viu um perfume que tinha uma cor tão especial quanto o cheiro.

– Tércio, eu logo vou ver minha mãe. Eu vou mostrar pra você como ela é bonita, ela é uma princesa. –Ela disse novamente para o menino que estava a sua frente.

– Não vou mais encontrar minha mãe.

– Vai sim.

– Não vou não. Ela está com os deuses no Hades.

– Por quê?

– Porque eu vi sangue no rosto dela e do meu pai. – O menino disse enquanto suas lágrimas escorriam. Naala não sabia o que era Hades, nem sangue. Mas, viu que era algo triste e não quis perguntar o que era. Mas sem entender tudo as lágrimas já surgiam nos seus olhinhos. 

Lépida interrompeu as crianças.

–  Parem de chorar , escutem tem gente cantando, é a princesa Andrômeda. Naala reparou na voz que cantava. Era bonita, não era triste,  e vinha de debaixo dela. E, era uma princesa que cantava.

O menino também parou o choro 

– Quem é a princesa Andrômeda?

– É a esposa do príncipe Heitor.

–  A esposa do príncipe Heitor?  – Tércio perguntou animado.

– Sim, ela é a esposa do príncipe mais corajoso de Tróia. E você ouviu? Ela não está chorando está cantando.

– Ninguém morreu na casa dela?

– Morreu sim, o príncipe que era marido dela, e o seu bebê. Aquiles matou o príncipe Heitor,  e Neoptoleno, o filho de Aquiles, matou seu bebê. Mas ela é forte, por isto não chora, ela canta.

Tércio ficou  em silêncio um tempo ouvindo a música. Naala também ouvia a melodia gostosa, mas não entendia do que falava. Então, procurou coragem para perguntar a Lépida.

– Lépida, o que ela esta cantando?

– Sobre o mar, e sobre esperança.

Naala não sabia o que era esperança, mas pelo modo que Lépida falava pensou que era algo bom.

– Lépida , ela cantou sobre uma espada ( no grego makaira: macaira ) . – Tércio comentou num sussurro animado– Ela vai cortar o pescoço do homem que matou o marido e o filho dela.

–  Tércio, ela não falou nada sobre uma espada (macaira - makaira). – Lépida respondia com uma voz firme.

– Cantou sim. Eu ouvi.

– Tércio, não é  makaira (macaira: espada) é kataira (kaqaira:limpar). Ela está cantando sobre nos limparmos de todos os sentimentos ruins,  de tristeza, ira...

Lépida,  enquanto falava, puxava o menino para perto dela e punha a mão na boca. Então, falou baixo no ouvido dele algo sobre Tértulo, que Tértulo iria jogar Tércio para a serpente no mar.

Com os olhos Lépidos apontava para Tértulo. Naala ficou de pé para ver quem era Tértulo. Lépida, em mais um impulso rápido, virou Naala para que ela olhasse o mar e não as pessoas dentro do navio. Naala percebeu que tinha feito algo errado ao se levantar. E, ficou olhando para o mar imenso fora do navio. Ela começou a ver, bem ao longe, a serpente do mar nadando por entre as ondas. A serpente fazia um movimento junto com as ondas.

Naala não entendia do que Lépida falava. Ela tinha visto o homem, Tértulo, de pé no navio. Ele era tão bonito, parecia ser tão legal, porque queria jogar Tércio para a serpente do mar?

Depois de um tempo Lépida puxou Naala para se sentar. Lépida estava brava, por isto Naala ficou quieta. Mas, Tércio não estava mais triste. Ele parecia animado, ele começou a fazer uma careta para ela. Ela riu e, logo escondeu o riso, com medo de Lépida.

 Foi assim, que passaram o entardecer.  No final ela descobriu que Lépida não se incomodava com as caretas.

Durante  a noite outra menina começou a chorar. Era Nephele, a menina que Naala reconhecia pela voz. Uma segunda voz surgiu:

– Porque você esta chorando Nephele?

– Narek, me deixou sozinha, ele foi caçar um rato...

– Ele não tem medo dos soldados? A voz que devia ser da outra menina, aquela que tinha uma marca fina e comprida no rosto. 

– Não, ele disse que quer comer um rato hoje, por isto me deixou sozinha...

– Nephele eu fico perto de você até ele voltar.

– Meninas, parem de conversa, logo os soldados vão se incomodar com este barulho.

A conversa parou. Naala olhou para Lépida. Queria perguntar a ela quando veria sua mãe. Lépida disse que era amiga de sua mãe, e que estava cuidando dela até que chegassem à casa de sua mãe. Mas, Naala não teve coragem de perguntar. Lépida estava quase dormindo. Então, Naala lembrou-se de sua mãe dormindo.

Sua mãe dormia enquanto Naala passava os dedos no vestido, por entre os seus seios, ali estava molhado de perfume. O perfume marcou os dedos de Naala, e ela tentou cheirar o perfume. Era um cheiro gostoso, mas diferente de todos os outros. Naala queria que sua mãe acordasse, mas naquele dia ela estava cansada e não acordava.

Então, novamente a voz de uma criança apareceu. Era Gálem, irmão de Tércio:

– Narek, para de caçar o rato, ele já é meu! Era a voz de um menino mais novo que falava com Narek.

– Não, não é não. Eu é que mostrei onde o rato estava – Respondeu Narek.

– Eu que o segurei. Ele é meu. – Falou Gálem com o menino que parecia ser mais velho que ele – Olhe Nephele, eu é que capturei o rato – Gálem falava com outra menina.

– O que está acontecendo por aqui? Uma de voz de adulto bravo interrompeu.

A conversa parou. Naala olhou para Tércio, o seu amigo. Queria brincar de caretas com ele, mas ele também estava dormindo. Naala tinha pena dele. Queria que ele tivesse uma mãe.  Quando encontrasse sua mãe, queria dividir sua mãe com Tércio. Então ele não ia ficar mais triste, e não ia chorar mais. Naala, então, olhou para frente. Uma das mulheres estava se levantando. Era a mulher mais alta e mais gorda. Ela logo se virou por entre os remadores.

Naala  ouviu a voz da mulher gorda falando:

–  Narek, Eu e Sibila vamos ir até a cozinha, sem ninguém ver. E vamos preparar uma sopa para você. Dê-nos o seu ratinho.

– Aqui está.

A mulher logo voltou para o lugar à frente de Naala com o rato na mão.  Ela se sentou e mordeu o rato morto.

“Ela está comendo o rato de Narek, mentiu para Narek!” Naala pensava revoltada. Então, algo mais estranho do que isto aconteceu. Ela viu algo  pingando do rato, escorrendo pela boca da mulher gorda. E, era algo igual o perfume da sua mãe, o perfume que ela viu sua mãe usando no último dia que  esteve com ela. O perfume que surgia do rato, também tinha uma cor forte, vermelha.  Era a mesma cor do perfume que sua mãe estava usando naquele dia em que dormia no chão do quarto.  Naala se assustou com o que via, lembrava-se da mãe deitada no chão, com a cor vermelha  manchando seu vestido bem no meio dos seios. Quando via o rato desaparecendo na boca da mulher e deixando no seu  rosto a mesma cor, a menina se assustava. Algo assustador parecia unir sua mãe, com seu perfume vermelho, e o rato que desaparecia.

Mas,  logo a pequena se acalmou. Agora ela já sabia como sua mãe havia feito aquele perfume de cor tão bonita: era com pequenos ratinhos brancos. 

 

I- A cor do perfume  

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