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X- Banquete para os fenícios

 

Helena sentou-se no trono agitada. Ela olhou para o marido ao seu lado e mais uma vez teve aquele sentimento. “Sacrilégio, seu marido estava cometendo um sacrilégio. A ira dos deuses os alcançaria . Ela precisa descobrir tudo e salva-los , a seu marido e seus filhos. Mas, onde  e como ?”

Helena olhou para as nuvens em busca de um sinal:  o vôo dos pássaros poderiam ser um  presságio para ajuda-la a descobrir o que estava acontecendo. Mas, não descobrir nenhum sinal divino.

Então , ao longe,  fitou o mar que terminava na longa linha de areia. E após ela começava um outro mar, um mar ainda mais calmo, da cor verde. O verde da planície se estendia ate chegar nos carros e cavalos  que estavam amarrados. Depois havia vários klines de bronze, cobertos de tecido azuis escuros, onde os convidados se reclinavam saboreando os manjares. Estavam presentes os anciãos da cidade de Esparta, e famílias de prestígios na península do Peloponeso. Além disso, era esperada a chegada de convidados especiais que foram anunciados por Menelau como homens que trariam grande contribuição a sociedade espartana. Helena estava sentada sobre um palanque e de cima observava o banquete que acontecia ao ar livre, na parte da planície que ficava logo após o palácio. Bem, tudo inspirava harmonia ate ali. Mas,  Helena sabia que devia estar atenta, a qualquer detalhe.

 Já haviam se passado 12 anos desde que voltara  de Tróia , e desde então, sua vida nunca mais fora a mesma . Ela vivia numa batalha constante  para proteger sua família,  mas lutava sozinha.  Ninguém de sua família, nem mesmo sua filha a apoiavam.  “Hermíone, você não entende meus esforços. Eu não me preocupo apenas com detalhes ínfimos como você gosta de dizer. Meu objetivo é outro. Com o tempo e a idade você irá entender. Meu desejo é criar uma atmosfera, uma atmosfera suave como o linho fino. Busco trançar cada detalhe de tal forma que o ambiente atraia a presença dos deuses do Olimpo. Quando existe harmonia num ambiente, os deuses se fazem presentes e eu posso senti-los. Este é o meu dom”

O aedo tomou sua harpa e começou a cantar. Ele cantava sobre a guerra de Tróia, sobre a beleza de Helena, sobre a nova era de paz que estava começando para os aqueus. Helena admirava o canto do aedo. “A letra é verdadeira, a música é suave, as estruturas dos versos é perfeita. Os versos são decassílabos. É assim que a poesia grega agrada os deuses.” Helena inspirou a atmosfera que sentia naquele instante e começou se acalmar. Talvez estava enganada. Talvez não havia nenhum sacrilégio envolvido nos preparativos daquele banquete . Afinal, ela havia lutado muito para organizar tudo de forma harmoniosa aos deuses. A princípio Menelau não queria sua ajuda, mas afinal ela o havia convencido. 

Neste momento o arauto anunciou a chegada dos novos convidados. Helena olhou e se assustou.

Os convidados eram fenícios. Helena se sentiu traída . Agora ela entendia o porquê daquela sensação de profanação que a impediram de fechar os olhos durante a noite. Fora por isto que Menelau não anunciara previamente quem seriam os convidados de honra. Por isto não queria sua ajuda naquele banquete. Estava escondendo tudo aquilo dela. Os fenícios se aproximaram de Helena e Menelau e entregaram seus presentes. Saudaram a beleza de Helena, e a sabedoria de Menelau. O rei Espartano estava estabelecendo um novo ponto de comércio que traria benefícios aos dois povos.

Helena não ouvia nada do que diziam. Seu sangue começava a esquentar. Se seu marido não era homem o suficiente para perceber as artimanhas dos inimigos, ela encontraria forças para lutar pelo seu povo e pelo favor dos deuses. O embaixador de Tiro terminou seu discurso e Helena se levantou. Menelau começou a ficar inquieto, mas Helena anunciou com tranquilidade:

–  Nas primeiras eras deste mundo, os homens viviam felizes.  Foi assim, na era do ouro, bem como na era da prata, quando os deuses do Olimpo entregaram ao homem uma semente. Com aquela semente o homem devia semear e lavrar a terra com paciência  e esperar  pelo fruto que seria agradável ao seu corpo e sua alma. O trabalho ensinaria o homem a desenvolver virtudes e preservar sua existência.

– Mas, o homem não desejava o esforço do trabalho na terra. Por isto inventou o comércio.  E, assim, trouxeram as desgraças da Idade do bronze e do ferro. Ao vender os seus bens, o homem vendia a si mesmo. O comércio afastava os homens uns dos outros, afasta-o das virtudes dos deuses. A modéstia e a verdade  fugiram, deixando em seus lugares a fraude e a astúcia, e a insaciável cobiça. Os marinheiros estenderam as velas aos ventos e as árvores foram derrubadas  para servir de quilhas dos navios e ultrajar os domínios de Netuno.  A terra ficou humida de sangue, e os deuses a abandonaram, um a um, até que trouxeram o castigo do dilúvio.

– O povo grego sempre amou o campo. Reis e príncipes não se envergonham de lavrar a terra. Mas, vós fenícios quereis afastar os aqueus das virtudes que os deuses lhe ensinaram  com muitos sofrimentos...

Neste momento, um arauto tocou uma trombeta, interrompendo a rainha Helena:

– Anuncio a presença da princesa Andrômeda, esposa de Heitor, príncipe de Tróia, que homenageara os fenícios cantando as belezas do mar.

Os olhos de todos os presentes se voltaram para Andrômeda. Helena, irritada, continuava de pé. Andrômeda parecia hesitante. Seus lábios se moviam, mas nada dizia ou cantava. Finalmente a princesa escrava cantou uma melodia sem palavras. Os músicos acompanharam sua melodia e ela entoou:

“Os que sobem ao mar maravilhas podem ver. As ondas tanto sabem encantar como nos fazem tremer.”

Helena percebeu que era momento de se assentar. Mas, de alguma forma já se sentia satisfeita. De certa, forma ela já havia dado sua mensagem. Se os gregos desejavam atrair a ira dos deuses, pelo não estavam fazendo isto sem ouvir o seu aviso.

 

(...)

 

Menelau ouvia Andrômeda aliviado. Ele agira rápido, havia conseguido uma forma de interromper Helena. Maldita a bela Helena. Mais uma vez ela estava frustrando os seus planos. O comercio com os fenícios traria uma oportunidade única. Os espartanos poderiam vender o seu bronze em troca de manufaturas de cedro, ouro e prata. Helena não era capaz de ver nada disso. Só via sua obsessão por equilíbrio e beleza. Ela estava jogando por terra aquilo que ele construir com tanto esforço. Mas, agora Andrômeda cantava. Menelau desejava se esconder nas belas imagens que Andrômeda cantava. Mas, ainda precisava agir:

– Helena, Andrômeda canta com perfeição. Não acha? A sua voz sob como incenso para os deuses do Olimpo.

 Helena, não via com bons olhos toda a admiração que se dirigia a Andrômeda. Mas, isto não a impedia de admitir suas qualidades.

– Sim, Menelau, ela canta com perfeição. Os deuses se agradam do seu canto, eles estão presentes. Menelau ouviu Helena, aliviado. Mas, Helena não havia terminado.

– Os deuses realmente estão presentes, eles estão comigo. E por isto encontrarei forças para lutar contra os inimigos do povo heleno. Inimigos que você se recusa a enxergar, porque é cego e ignorante.

Menelau nada respondeu. Já devia ter imaginado. É uma tentativa inútil argumentar com ela. Nada pode fazer Helena parar. Segurá-la é como segurar óleo com a mão.

 – Helena – o rei Menelau havia tomado uma decisão extrema – se você disser mais uma palavra contra os fenícios, amanhã convocarei a Eclésia, e abdicarei do meu trono. Eu deixarei de ser rei, e você não terá como lutar pelo seu povo. Menelau falava com calma, mas certeza.

Nada lhe valia o trono se não podia governar. Helena se calou. O canto de Andrômeda terminou. O banquete continuou. Helena se retirou para seus aposentos. Menelau procurava um meio de reverter o insulto de Helena aos fenícios, mas não encontrava. Menelau chamou um de seus conselheiros, mas ele nada soube responder. Enquanto se ocupava em que fazer, um dos anciãos da Eclésia lhe chegou com uma mensagem. Era Atomos , um ancião conhecido por sua generosidade e bons modos. Mas, sua mensagem era dura.

– Majestade, em nome dos membros da Eclésia, que estão presentes, gostaríamos de lhe advertir que sua esposa está destruindo o seu reinado. Já não basta tudo que ela fez contra a harmonia da Gerusia, tentando criar oposição entre dois nobres gerontes.. :  Bemus e Cassandro!

Menelau, se assustou com tudo aquilo. Não  podia imaginar que a Assembleia Espartana já sabia da conspiração de Helena contra Cassandro.

Para Helena Cassandro era outro que lutava pelos titãs e não pelos deuses olímpicos. De qualquer modo Menelau se perguntava sobre quantos dos seus problemas com Helena já eram conhecidos pela Assembleia . Talvez mais do que ele imaginava , já que muitas questões de Helena  tinham implicações politicas diretas. “Helena, minha linda Helena, porque você perturba o meu governo, já não é suficiente perturbar nossa família?” Menelau chamou Oenomaus, Isidore, Dheon, mas ninguém lhe oferecia uma alternativa plausível. Achavam que seria simples ordenar a Helena que se retratasse. Precisava do conselho de alguém que conhecia sua família, sua casa.  Nyctheus ou seus escravas, Aristeu , Oebalus, Cadmus, Tértulo. 

Nyctheys foi o primeiro a parecer. Ele era um escriba que orientava o rei em diversas questões políticas. Mas, não disse nada muito significativo. Era um homem que entendia de tempos e costumes e não sobre como manipular Helena. Menelau precisava de Tértulo, mas onde estava Tértulo?

Então veio Oébalus o administrador do palácio, era um homem simpático e sábio em questões administrativas, mas não  forte como Tértulo. Ele chegou acompanhado de mais dois escravos responsáveis por questões administrativas da casa. Um deles , o troiano Aristeu, tinha uma boa ideia. 

– Majestade, tivemos uma boa safra de azeite este ano – Disse Aristeus– Ofereça aos fenícios...

– Sim, Aristeu, vá a despensa pegue tudo que lhe parecer precioso. Entre em minha casa e pegue todos os objetos preciosos dos quais Helena não sentirá falta. Enviarei estes presentes junto com minhas desculpas aos fenícios. Pouco depois Nycteus voltou com uma mensagem.

– Os fenícios recusam qualquer presente. Dizem que se permitirem que uma mulher zombe deles, em pouco tempo, o mundo zombara deles.

O banquete acabou para Menelau. Ele deixou o jardim e retornou ao seu palácio. Queria paz, queria paz, queria silêncio...Sabia que precisa tomar uma decisão urgente, mas antes precisava se acalmar, ou não pensaria nada direito. Ao caminhar sem rumo pela sua casa ele ouviu risos. Risos? Risos de escravas troianas.

(...)

 

 Nos aposentos onde eram lavadas as bandejas e taças do banquete a atmosfera era outra. Ali estavam reunidas várias jovens, jovens com a idade de 15 a 25 anos. Para elas esta era uma oportunidade única de se encontrarem com as velhas amigas de infância. Amigas que elas não conversavam com tanta freqüência, pois cada uma trabalhava em aposentos diferentes da casa.

 Trífone, uma das meninas, havia  introduzido um novo assunto.

– Então, meninas, me contem... Quem vocês acham o garoto mais bonito de Helos?

Trífone era linda,  tinha a estatura mediana, o rosto e perfeitos e falava com doçura. Lalita logo  respondeu:

– Nicostratos!

As meninas olharam espantadas da ingenuidade de Lalita.

– Lalita, Nicostrato não é troiano. – Explicou Lena.

– E o que importa isto? Afrodite pode fazer com gregos se apaixonem por troianos, não é?

Lalita não era bonita, era alta e magra, o corpo  um tanto desconjuntado. O nariz  era largo. Lena respondeu Lalita  com  ênfase e uma feição que demonstrava preocupação 

– Lalita, o caso aqui é diferente. Nicostrato é seu dono, você é uma escrava. Se um dia ele olhasse para você isto não significaria boa coisa para você. Iole, mudando um pouco o tom da conversa, continuou:

–Gálem é um lindo troiano. - Iole podia ser pequena, mas se destava por ser extrovertida.

– Ele é lindo mesmo – concordou Stesha, a garota alta de longos cabelos  ondulados, e do rosto marcado pelas chamas.

– Eu também acho – disse Trífone sorrindo.

– Mais um voto para Gálem – disse Nephele. Nephele também era bonita de rosto, mas  não tanto de corpo. Lena tambem mostrava que concordava pela sua expressão do rosto.

– E você Andere, quem acha mais bonito? – perguntou Iole.

A doce escrava respondeu se lembrando do escravo que realmente amava.

– O Felipe é o mais bonito.

– Ah, só podia ser – Disse Nephele rindo.

Andere e Felipe eram apaixonados um pelo outro. Mas, Tértulo, o chefe dos escravos, visava afastá-la dele, pois acreditava que o escravo devia receber uma grega e não troiana.

– E você Diône, quem acha o mais bonito? – Perguntou Nephele.

Diône era tão bonita quanto Trífone, mas era mais alta e mais sedutora, enquanto Trífone era mais meiga. Diône se interessava por um grego, por isto, para esconder seus sentimentos se limitou a repetir o que as outras disseram:

– Gálem é o mais bonito dos troianos.

– Diône, ele não é o mais bonito dos troianos. Ele é o mais belo de todos os homens que estão em Helos. – Disse Nephele.

–E você, Naala, também acha  que é Galem?– Perguntou Trífone.

Naala respondeu:

– Não sei...

– Então, quem é o mais bonito?– Trífone insistia.

Naala demorou um pouco a responder, até que encontrou a resposta:

– Deadalus.

No fundo Naala sabia que não admirava apenas por sua beleza, pois se lembrava pouco dele, mas o admirava por sua coragem, pela forma que se comportara ao se levantar contra Menelau. Stesha, que era mais velha, se lembrava um pouco mais de Deadalus.

– Realmente ele era muito bonito. Mas, ele não conta, porque já está morto, Naala. Então, dos vivos, Gálem é o mais bonito dos gregos e troianos? – Insistiu Trífone.

Naala demorava a responder. Às vezes ela se sentia que era diferente das outras escravas. Sentia que não havia nascido apenas para se preocupar com quem é o homem mais bonito. Como Naala demorava a responder, Iole interrompeu:

– É claro que ele é, Trífone, até Hermíone tem olhos para Gálem.

–  É verdade, com freqüência ela entra na casa pelo átrio e pede para Gálem lavar os seus pés. Que nojo: Hermíone olhando Gálem.

Lalita interrompeu:

– Lena, não fale assim. Hermíone não é tão terrível assim. Ela é muito melhor que Helena.

– Para mim, ela vai se transformar em alguém muito mais terrível que mãe.– Respondeu Lena, expressando o olhar analítico e pessimista que a caracterizava. 

– Você diz isto porque nunca trabalhou para Helena – respondeu Andere –Se tivesse sido escrava de Helena perceberia que ninguém a supera. Graças aos deuses, ela se zangou comigo e eu agora trabalho só na cozinha.

– Bem meninas, eu estou percebendo que podemos mudar nossa pequena assembléia – disse Iole.– Em vez de escolher o mais bonito , porque que Gálem já venceu,vamos decidir quem é pior Helena ou Hermíone.

Lena continuou:

– O que acredito meninas, e que não se pode esperar nada de bom dos gregos. Comecem a dizer que Hermíone é melhor e vão ter uma grande surpresa.

Neste momento Menelau entrou na cozinha e surpreendeu as escravas: 

– O banquete já acabou, parem com esta conversa! Ponha suas bacias na cabeça e caminhem de quatro para o quarto das escravas!

As meninas obedeceram com medo de Menelau, pensando que o rei  devia ter ouvido suas palavras sobre Helena e Hermiône. Puseram a bacia que utilizavam para lavar as bandejas na cabeça e prontamente caminharam de quatro para o quarto das escravas.

 Menelau observava suas escravas com satisfação. Não ria, nem tão pouco tinha prestado atenção no que falavam sobre Helena. Não se interessava pela conversa de escravas. Mas, sentiu um alívio em observar que, pelo menos, governava alguma coisa naquela casa. Suas escravas o obedeciam, mesmo quando ele as mandava imitar um animal.

Então se lembrou de Hermíone. Hermíone também o ouvia... Ele possuía uma filha leal. Hermíone possuía a doçura que Helena perdeu. “Hermíone, onde estaria? Aquele seria um bom momento para cavalgar ao lado de sua filha. Ela poderia ter alguma sugestão sobre os fenícios”

Quando pensava nisto surgiu Andrômeda a sua frente. A "princesa"de longos cabelos , e vestida com trajes de festa, disse :

– Majestade , tenho boas novas sobre os fenícios. Notícias de paz.

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