top of page

XI- Um dia de trabalho

 

Um novo dia começou no palácio de Helos, mas Naala acordou cansada. Naala  se sentia cansada. A noite anterior tinha ficado até tarde conversanso com Tércio.  “Porque você é tão curioso Tércio? Porque quer saber de tudo que acontece em Helos? Enquanto se demorava a se levantar uma palavra surgiu em sua mente: “Dispensa”. Esta palavra logo a colocou de pé.

Iria trabalhar na dispensa. Não iria trabalhar como uma escrava comum. Tinha um trabalho especial, e amava aquele trabalho. Como nenhuma outra escrava ela sabia contar. Naala levantou com disposição, desceu correndo as escadas. Queria com o exercício espantar completamente o sono. Precisava estar bem, precisava estar acordada, ou erraria nos cálculos.

Enquanto descia a colina onde ficava o palácio, e caminhava para a dispensa, Naala ouviu Urian a chamando:

– Naala, mais rápido temos muito trabalho hoje. Venha ver os vasos de azeite.

Naala correu em direção à dispensa. A dispensa parecia uma casa grega comum, tinha um pátio interno descoberto que dava acesso para várias salas. Naala entrou na sala que guardava os grãos e o azeite , ambos estocados em vasos. Quando os viu  vasos de azeite se assustou. Ela voltou em direção ao pátio e disse:

– Urian, tínhamos 86 vasos ontem. O que aconteceu? Temos apenas quatro.

Urian, o jovem alto magro, de rosto redondo e nariz achatado, explicou a Naala tudo o que acontecera. Contou sobre a resposta que Helena dera aos fenícios, sobre o presente que Menelau enviou para obter para tentar apagar o insulto de Helena, e o problema que acabara sobrando para eles:

– Agora – disse Urian – precisamos contar tudo que ainda existe na dispensa. Porque Aristeu precisa repor tudo que esta em falta.

Naala olhou para as salas em redor do pátio perdida . A dispensa , tinha no térreo 7 salas, e no andar superior, ao fundo, mais 4. Naala geralmente era responsável pela contagem das salas mais ao fundo,  e Urian, pelas da frente.

–  Urian, eles não mexeram em todos os estoques certo?

 –  Provavelmente não. As salas mais ao fundo não teriam presentes interessantes para os fenícios. Mas, não sabemos com certeza quais foram levadas  –   Urian respondia respondia com um sorrizo tranquilo.Enquanto Naala se preocupava sobre quanto trabalho teriam.

–  Vamos  começar verificando a adequaçacao dos registros das primeiras salas  , certo ?

– É claro.

 Nas primeiras salas da dispensa, Aristeu controlava os estoques dos alimentos e recursos mais urgentes. Eram salas detalhadamente organizadas e Naala não se sentia familiar com aquela organização.  Já nas salas ao fundo, Naala se sentia em casa. Ali eram guardadas matérias de pouca importância, instrumentos de  trabalho,e mobílias que não estavam sendo mais utilizadas. Não eram salas completamente organizadas, o que não impedia Naala de ter um controle exato de tudo que possuíam , em termos de madeira, ferro, bronze, e outros recursos.

Naala e Urian passaram o dia fazendo esta contagem. E, no meio da tarde Naala acabou uma das salas que estava responsáveis e foi a procura de Uriam. Ele estava no quarto anexo esmurrando um bauu.

– Maldito pelos deuses seja , Tertulo. Um dia eu acabo com você.

– O que foi Urian ? O que Tertulo fiz com você ?

– Não fez nada contra mim, mas Dione esta apaixonada por ele.

– Dione gosta de Tértulo? Eu não sabia disto. – Naala não sabia o que dizer, sabia o quanto Urian gostava de Dione.

– Pode acreditar ? Dione se interessando por Tértulo! Depois de tudo que ele fez . Tértulo é grego, e não vale nada. Ele acabou com Alexia, não consigo entender como Dione pode ser tão ingênua..Naala não sabia o que dizer, ela entendia a revolta de Uriam. Mas, queria muito acalma-lo. Ela via que o pátio da dispensa estava movimento, não era o momento dele falar nada contra Tértulo. Então tentou mudar um pouco o assunto.

– Urian, não imagina o que Menelau nos mandou fazer ontem. Ele entrou na cozinha onde eu estava com as meninas lavando os pratos e pediu para a gente por uma bacia na cabeça e caminhar de quatro.

–  Eu vou matar Menelau também. Vou aproveitar que Helena está deixando Menelau louco.  Meu pai me disse que esta seria uma boa hora para organizarmos uma revolta contra Menelau. Menelau está mais fraco, e nós já crescemos e estamos prontos para lutar.

Neste momento  Naala se assustou , pois outro escravo na sala. Era Thalos o escravo responsável por comercializar e comprar os produtos necessários para o oikos.

– Para que tanto susto? Acha que eu não lutaria com o meu povo? Eu lutaria e não somente eu, mas todos os meus amigos que trabalham com o tear. Mas, onde está seu pai, preciso saber o que vou comprar em Esparta? – Thalos devia ter uns 40 anos,  era alto, magro e sorridente.

– Ele vai chegar logo.

– Eu vou esperar, mas quero dizer uma coisa. Diga a seu pai, caso ele esteja planejando uma revolta, que estou com vocês. Quando Deádalos planejou a revolta ele perdeu porque lutou sozinho. Precisamos lutar juntos. Se isto acontecesse íamos vencer com facilidade e ter liberdade.

Naala escutou Thalos, surpresa. Não podia imaginar que tanta gente pensava em revolta.

Thalos voltou para o pátio e Urian se afastou e começou  contar os objetos que estavam em cima das mesas. Naala se aproximou e lhe perguntou por mais serviço . Ele apontou alguns objetos dourados que estavam sobre prateleiras. Naala , se aproximou encantada com o brilho amarelo do ouro. Ela nunca havia visto objetos com aqueles, havia  cálices, candeeiros, pratos. Ela começou a contar os cálices anotando o resultado num pergaminho: “quatro cálices de ouro com desenho estrangeiro, os três primeiros com um olho com lágrima...” Naala pensava em ir buscar uma balança para pesar o outro, quando momento uma voz conhecida interrompeu Naala:

– Naala, como você cresceu. – Naala se surpreendeu. Não era ninguém menos que Galem que falava com ela. –... e como está bonita Naala. Você segura esses pergaminhos com a elegância de uma princesa.

– Oi, Galem, faz muito tempo que não nos encontramos mesmo. Você sempre trabalha no palácio e eu sempre estou aqui na dispensa. Mas, eu me encontro sempre com Tércio. 

– Eu sei disso. Ele sempre fala de você. Fico feliz que vocês são tão unidos. Mas, onde está Aristeu preciso conversar com ele. Fiquei sabendo que ele quer que eu vá com Thalos para Esparta .

– Ele ainda não chegou, mas Thalos esta no pátio esperando também.

 Galem foi ver Thalos e Naala tentava continuar a contagem. Tentava... Porque não era tão fácil agora. “Ele disse que eu tenho a elegância de uma princesa. Puxa de uma princesa! E, olha que Galém trabalha sempre com a princesa Hermíone, ele entende de princesas. Como é bom ouvir um elogio destes. Mas, agora não posso pensar nisto, tenho que fazer a contagem ...”

Enquanto Naala lutava com seus pensamentos Aristeu chegou acompanhado de Tértulo, Oebalus e Nycteus que eram gregos. Aristeu explicou a Naala que precisavam contar os objetos que Menelau havia obtido do dia do banquete. Pois os fenícios também ofereceram aos gregos presentes como garantia de que não guardavam animosidade, e alguns daqueles objetos seriam vendidos em Esparta. Ao final do dia Naala e Urian não haviam pesado todos os objetos,  mas já haviam  enumerados cada um deles. Naala ia partir para o quarto das escravas quando Teodre entrou apressadamente no depósito...

– Aristeu, preciso dos tecidos que você obteve com os fenícios.

Teodre era um tecelão grego que foi chamado para substituir Deádalus, quando este foi castigado e morto por causa de sua rebelião. Era baixo, mas de boa aparência.

– Para que você precisa destes tecidos, Teodre? 

– Helena, vai oferecer durante toda esta semana sacrifícios em honra a Afrodite, e quer um vestido novo para cada noite. Ela já se queixou do tecido com que preparei para hoje, por isto preciso de tecidos novos.

– Teodre, não posso lhe oferecer os tecidos dos fenícios. Pois, eles foram adquiridos sem o consentimento de Helena. Se você fizesse os vestidos com estes tecidos Helena descobriria que ainda existe entre Menelau e os fenícios uma aliança.

– Aristeu, você não entendeu, preciso destes tecidos. Helena não vai aceitar vestir novamente tecidos transados pelos teares gregos, ela deseja um tecido mais fino. Se não obtiver com você falarei com Tértulo.

– Teodre, você pode falar com Tértulo, mas não serei capaz de lhe oferecer estes tecidos, ao menos com a autorização expressa de Menelau.

Teodre partiu para procurar Tértulo. E, não demorou a voltar com uma expressão muito preocupada.

– Aristeu, se não posso usar os tecidos fenícios, me diga o que ainda temos na dispensa que pode ser usado para fazer um vestido de luxo?

– Temos porções de lã. Mas, ainda precisam ser tingidas.

– Como vou conseguir terminar estes vestidos a tempo? Teodre falava com desespero.

– Teodre, vou enviar com você Urian e Naala, e pedir a Tértulo que lhe envie outros escravos para ajudar no tear. Logo os tecidos estarão tingidos. Naala se desanimou quando ouviu. “Mais trabalho. E trabalho no tear?” Naala não gostava muito do trabalho manual.  Mas, não tinha escolha e acompanhou Teodre ao tear.

Ela  deixou a dispensa que ficava atrás do palácio e começou a subir  o planalto. A noite chegava quando Naala entrou na porta que havia no fundo do palácio do lado esquerdo do palácio. Ela viu o quarto dos homens a sua direita e o longo corredor do lado do quarto.  Já havia escurecido e as lâmpadas com óleo iluminavam o corredor. Naala seguiu por ele ate que chegou ao quarto dos teares.  

 Haviam 4 troianos trabalhando ali: Rhea, uma senhora idosa estava tingindo alguns molhos de lã; Eirene e sua filha Effie estavam trabalhando em dois teares. No terceiro tear estava Daimon, que era o aleijado. O filho de Effie brincava com alguns pedaços de madeira, tinha apenas quatro anos.

Naala voltou os olhos para os molhos de lã. “Preciso tingir os molhos de lã. Se terminarmos logo poderia ir dormir. Preciso me concentrar." Mas, o trabalho era repetitivo e monótono, difícil de se concentrar. Naala tomava uma porção de lá e enfiava no liquido vermelho. Então, torcia e estendia sobre um suporte de madeira. Enfiar, torcer, estender. Enfiar, torcer, estender. Eram sempre os mesmos movimentos. A diferença era que Naala cada vez mais se manchava de vermelho.

A garota se irritava. Não só com a lá, mas com tudo. Parecia que não sabia como lidar com tudo que acontecia naquele dia. Menelau fazia uma aliança secreta com os fenícios que lhe rendia muito trabalho, os troianos começavam pensar em revolta, e ela não sabia em quem confiar, e Galem dizia que ela era bonita. Sim, esta parte era fácil. Naala agora fazia os movimentos mais devagar. Ela pensava em Galem.

“Ele era mesmo tão bonito como as meninas pensava? Sim, ele era bonito. E, o homem mais bonito de Helos havia dito que ela era bonita e tinha a elegância de uma princesa. Ah, como era bom se lembrar disso. “os pensamentos de Naala foram interrompidos pelos gritos de Teodre.

– Naala, você está desperdiçando toda a púrpura! Preste mais atenção para não derrubar tanto. E, procure enfiar a lã de forma que fique tingida de modo mais homogêneo. Você está fazendo um trabalho horrível.

Naala estava desanimada. Não via à hora de acabar tudo. Um pouco depois chegaram alguns escravos novos. Eles haviam vindo de Cartago, e foram comercializados pelos fenícios. Teodre ficou satisfeito com a chegada deles, por isto dispensou Naala do serviço. Quando Naala voltou para seu quarto aquela noite não conseguia pensar em nada mais. Só queria dormir, dormir e sonhar com Gálem.

Ela se deitou, e observou Lépida se aproximando do seu leito.

– Naala, preciso falar com você.

– Não pode ser amanhã, Lépida?

– Não, não pode. Queria ter te encontrado hoje antes, mas você acordou atrasada, e não voltou para o palácio o dia todo.

– Eu estou muito cansada quero dormir.

– Naala, hoje é seu aniversário de 16 anos. E eu tenho um presente.

– Meu aniversário?

– Sim, olhe o que tenho para você! Naala olhou o presente

.Era uma mandala  dourada. Um presente único, um tesouro. O colar era feito com tiras de couro escuras e possuía uma medalha de ouro pendurada. A medalha possuía uma pedra de ônix e no centro perolas de água doce que a circulavam. No verso da mandala havia uma inscrição com dois nomes. Mas, a inscrição parecia estar danificada. O primeiro nome era claro Briseis, o segundo estava riscado e apenas uma letra estava clara, a letra alfa, A, a segunda letra parecia ser o gama, mas ainda não estava claro, as demais estavam completamente indecifráveis.

– Naala, tome esta tala e amarre o presente em sua perna. Se Tértulo souber dele vai tomar de você .

– Lépida, muito obrigado, meu presente é um tesouro de Tróia.

– Fale baixo, Naala, as outras escravas não podem escutar.

 –  Parabéns, Naala, Parabéns pelos seus 16 anos.

Naala olhava mais um pouco para o presente. Realmente era uma peça que pertencera a uma princesa. Com relutância Naala amarrou o presente a sua perna. E se deitou...Ela se deitou pensando na imagem do colar, as letras da inscrição rodavam em sua mente até que o sono começou a surgir e embaçar a imagem do colar... Naala começava a dormir, mas não dormiu muito , deu um cochilo e acordou ...

– Lépida, Lépida, como você descobriu que hoje é meu aniversário... você me achou perdida em Tróia, como pode saber quando eu nasci?

Lépida estava deitada com os olhos fechados. Naala achava que ela fingia dormir...

Queria insistir, insistir com ela para que lhe desse uma explicação, era sua vida, sua história, que se escondia nas palavras de Lépida ... Será que Lépida sabia algo de sua mãe que nunca havia contado? Ela havia dito que não a conhecia, e que só desconfiou que sua mãe era princesa por causa de suas roupas. Mas, a verdade é que estava cansada. E sabia que amanhã seria mais um dia difícil de trabalho. Por isto deitou novamente. “Amanhã, Amanhã quero uma resposta sobre minha mãe. Agora preciso dormir...”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

bottom of page