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IV- Uma musa com propósitos 

 

Lépida fechava os olhos tentando descansar, mas ouvia a conversa irritante de 3 escravos gregos.

–  Vocês viram a porta que o rei Menelau vai  colocar no salão do banquete ?

–  Sim . Sempre fiquei me perguntando porque um rei iria construir um palácio aqui no meio do nada sem se preocupar em por uma muralha em volta ....

–É.. aquele salão vai ser uma espécie de torre forte do palácio. A porta é feita de um material diferente. Eu sei que tem ferro, mas parece que o ferro foi fundido com algum outro material junto. Eu não sei o que é ... mas adoraria descobrir. Tértulo bateu com um machado na porta, e fez apenas um arranhão , nem amassou.

– Eu acho que quem fez a porta não vai contar o segredo . Eu apostos que o rei conseguiu com os egípcios ...

–  Não veio de Damascos ?

Lépida percebeu que não ia conseguir dormir. Não era apenas o barulho da conversa, o problema maior era o frio. Então  abriu os olhos , e viu , em meio a neblina,  o palácio que ia surgindo, e se destacando acima do planalto . Os escravos gregos continuavam discutindo porque os mercadores não revelavam os segredos dos produtos que vinham do oriente. Enquanto, Lépida reparava que na parte frontal já  estavam  erguidas  belas colunas que marcariam  entrada do palácio. Após elas, mais alguns pilares da casa estavam levantados.  E, então, no meio deles o tal salão se destacava. Na parte posterior, a parte que formaria os aposentos femininos, já havia mais que colunas. Alguns aposentos estavam edificados.

A escrava de cabelos lisos e rosto fino, não via nenhuma beleza naquele palácio. Não havia nada nos gregos, aqueus, que a agradasse. Ah, se ela pudesse fugir. No dia anterior , Deádulus o irmão do seu  pequeno Tércio, havia conversado com ela sobre um plano de fuga. Era um bom plano, ela tinha que admitir. Ainda assim, estava insegura e com medo.

 Lépida sentia o vento frio que vinha da direção do mar,  e olhava para o pé da pequenina Naala e para tala que pusera nele.

– Naala venha cá.

A garota se aproximou caminhando devagar, não queria se apoiar sobre o pé esquerdo, o pé que Tértulo esmagou com o cabo da lança.

– Ainda está doendo, Lépida.

– Pare de reclamar, garota. Seu pé vai ficar bom.

Lépida não queria falar naquele tom com a menina. Mas, tudo a seu redor lhe parecia tão difícil que não podia se recriminar por falar daquela forma. Ainda assim sentia tristeza quando via expressão que se formavam no rosto da menina.

Naala estava ficando bonitinha. Seu cabelo agora crescia encaracolado, com algumas mechas loiras, no meio das castanhas. E no meio de todos os cachos estava aquele rostinho magrinho, de voz doce e olhos marejados. Era impossível  olhar para a garota e não imaginar que no futura ela teria alguma grande importância, seria alguém especial. Principalmente , quando se lembrava de tudo que aconteceu em Troia e como o estrangeiro havia dito presságios que salvaram a vida das duas. Lépida abaixou-se e começou a desenrolar a tira de tecido que segurava a tala do pé.

Lépida e outros escravos estavam logo atrás do planalto que abrigava o palácio. Ali havia um velho aprisco que fora adaptado para proteger os escravos do frio. Lépida e outros escravos estavam sentados por trás dos muros de pedra, ao redor de uma fogueira, enquanto esperavam a comida ser servida.

Se um dia ela realmente conseguisse fugir, e não enfrentasse o frio num lugar tão aberto, tinha certeza que conseguiria ser mais carinhosa com Naala.  O frio era intenso, Lépida jurava que ia nevar, embora ouviu dizer que  a muito tempo não nevava na região. 

Alceste, o velho troiano, se aproximou de Lépida e da menina, e disse:

 – Lépida, ela vai ficar bem. O pé dela não está nem mesmo inchado.

– Se ela vai ficar bem, porque continua reclamando de dor?

 A voz de Lépida estava tensa. Alceste continuou:

– O ferimento foi mesmo grave, mas diga para a menina não forçar o pé, não pisar sobre ele, e ele vai voltar ao normal. Vou encontrar algum cajado para ajudar a menina a caminhar. Alceste se afastou e Lépida começou a enrolar o pé de Naala na tala. Enquanto isto, Lépida ouvia as meninas troianas, que eram escravas, conversando animadas sobre chegada de Helena.

Elas estavam sentadas um pouco ao longe, mas Lépida podia ouvi-las.“ Maldito Tértulo,” Lépida, dizia para si mesmo. "Espero que Helena volte logo e mande colocar você numa estaca. ... Helena? porque ainda acreditava tanto em Helena. Ela era uma aqueia, como todos os outros. Não merecia confiança. Mas, era a única a grega que abandonou seu povo pelos troianos. Talvez ela fosse diferente. E, Andrômeda mesmo fez comentários positivos sobre Helena.”

 Lépida terminou com o pé de Naala e a menina caminhou em direção a outras garotas. Ela ia repetir, dentro de si mesmo mais uma maldição contra os gregos e contra Tértulo quando olhou para cima do muro, e viu Tértulo olhando fixamente para ela.

 

(...)

 

Tértulo olhava para Lépida. A mulher procurava esconder o seu rosto. Então, um meio sorriso surgia no rosto dele. “ Vocês procuram se esconder de mim, mas se entregam.” As feições do seu rosto a denunciavam, e Tértulo sabia decifrar as pessoas. Mas, não bastava se gabar do seu dom. Tértulo precisava agir. A reação de Lépida mostrava algo que não ia bem. Lépida não via a atitude de ferir garota como um ato de justiça. Ela olhava apenas como um ato cruel. Esta atitude precisava ser corrigida. Tértulo viu as meninas conversando ao longe, e caminhou por fora do muro em direção a elas.

O grupo de 13 meninas estavam aos cuidados de Cindia. Além destas 13, havia mais duas meninas que haviam vindo com suas respectivas mães, e que com frequência acompanhavam Cindia e as demais meninas. As meninas se espremiam na pequena parte coberta que havia naquele aprisco improvisado. Cindia tentava conter aquele entusiasmo das meninas. Ela comentou:

– Helena, pode ser bonita, mas foi a sua beleza que causou uma guerra terrível.

Tértulo percebia que as palavras de Cindia não tinham o efeito que ela deseja. Stesha uma das meninas falou:

– “Tão bonita que causou uma guerra, ela deve ser realmente incrível.”

 Edeline, uma das meninas que veio com sua mãe, também fez um comentário que demonstrava entusiasmo pelo assunto.

– Sabia que eu fui convidada para participar do casamento de Helena e Páris? Eu e minha família trabalhávamos no palácio, por isto fomos convidados.

O comentário de Edeline não era verdadeiro. Mas, nenhuma das meninas podia desconfiar disto. Apenas Tértulo. Lalita, uma menina magrinha e mais alta, continuou o assunto:

– Helena, era casada com Páris? Eu pensei que ela era esposa de Menelau.

Lena, a menina que tinha uma cicatriz  no rosto  respondeu:

 – Em Tróia ela era casada com Páris, aqui ela é casada com o rei Menelau.

Tértulo olhava para os risinhos e conversas inocentes das meninas. Ele não se enganava por elas.  Ele sabia aquelas pequenas crianças eram uma semente, uma semente de uma futura Guerra de Tróia. Uma guerra que ele faria de tudo para vencer, uma guerra que ele não deixaria nem mesmo começar, a não ser se de alguma forma, aquela guerra trouxesse tantos benefícios como  a primeira. Tértulo se lembrou de Andrômeda. Andrômeda estaria por traz de algum plano para se vingar de Helena e Menelau ? Se ele se unisse a Andrômeda e Eneias talvez herdasse os bens e o poder de Menelau.

Tértulo precisava com urgência se aproximar de Andrômeda, mas precisava se aproximar de uma forma discreta, por isto precisava de uma informante. Tértulo reparou em Lena, a menina com uma cicatriz no rosto. Lena era a mais esperta das meninas. Seria uma espiã? Enquanto pensava nisto, Cindia o viu e disse para meninas.

– Meninas, parem a conversa. Tértulo está ouvindo tudo.

Cindia reprendia as meninas, mas elas continuavam falando baixinho. O que deixava Cindia ainda mais desconfortável, pois não queria mostrar para Tértulo que não era capaz de controlar as crianças. Stesha, animada, continuou falando em voz baixa.

–Eu aposto que vou ser escolhida por Helena, porque minha mãe sempre dizia que eu era bonita.

– Stesha, se você e bonita porque você tem estas marcas no seu rosto?

Era Naala que perguntava, com aquela ingenuidade de quem não percebe que esta entristecendo a amiga.

– Quando estava tentando fugir do incêndio da minha casa eu me queimei. Mas, quando eu crescer estas queimaduras vão passar e eu vou ser bonita de novo.

“Stesha, não sei se é tão esperta quando Lena, mas parece ser corajosa.” Pensou Tértulo “Teria coragem de bisbilhotar Menelau, se eu lhe desse um boa recompensa? Stesha ou Lena, qual das duas será minha informante?”

Então, Tértulo reparou que as duas tinham marcas no rosto. Lena tinha 

um corte no rosto que ia da metade do nariz até passava pelo o canto do olho esquerdo. Era um corte feito por uma espada. Stesha tinha as marcas de fogo, também no lado esquerdo do rosto. Elas marcavam sua bochecha, seu pescoço e atravessavam todo o seu braço esquerdo. A cicatriz do braço era feia. Mas, nada disso atrapalhava em nada sua candidatura à espiã. Stesha ou Lena? A menina com a cicatriz da espadagou a com a cicatriz do fogo?

Tértulo pensava nisto quando olhou para o planalto logo a cima do estábulo e viu um garoto que, pelas roupas, parecia ser o príncipe Nicostratos. O garoto devia estar procurando seu cavalo e uma aventura pelos arredores do palácio. 

Os filhos de Menelau, Hermíone e Nicostratos, haviam chegado há pouco tempo em Helos. Eles foram trazidos por Oébalus, o administrador dos bens que Menelau possuía em Esparta.  Nicostratos, o garoto de 12 anos, chegou com um espírito de aventura. Queria explorar o território onde se encontrava.Tértulo havia se oferecido para acompanha-lo , pelo que se apressou e trouxe os cavalos. Os dois seguiram para o norte do palácio. A região era uma grande planície banhada pelo mar. Havia algumas montanhas ao fundo da região, mas não eram muito altas. Nicostratos seguiu o curso do rio até que alcançou as primeiras montanhas que estavam ao fundo da planície. O rio penetrava num vale, no meio de duas montanhas. Nicostratos virou-se para a montanha que estava à direita do rio e percebeu que depois daquela montanha a planície ainda continuava. Ainda havia uma longa região plana que terminava bem mais ao fundo em outras montanhas. Então, Nicostratos voltou novamente para a esquerda atravessou o rio, e continuou caminhando pela planície, ladeando os montes que estavam ao final da dela. Nicostratos cavalgava para o oeste, para o fim da planície da Lacônia queria alcançar lugares mais elevados: os montes que adentravam o mar formando o golfo. Ele queria observar melhor a região.

Tértulo e Nicostratos cavalgaram por um pouco mais de 2 horas, correram com os cavalos,  alcançaram esta região montanhosa. Agora as praias deixavam de serem grandes linhas retas como a que havia na região do palácio. Por vezes as montanhas se encontravam com o mar sem dar espaço para nenhuma praia com areia. Havia grandes rochas nesta região. Tértulo explicava a Nicostratos:

– Você vê como existem varias rochas nesta praia? Seu pai não escolheu um lugar como este para construir o palácio porque um lugar assim é traiçoeiro para os navios.Alem disso, as  planícies de Helos serão ideais para a agricultura, podemos plantar olivas, frutas, e até trigo. O mesmo não seria possível nesta região montanhosa.

Mas Nicostratos não estava prestando atenção à paisagem:

–Tértulo , minha mãe é tão bonita como todo mundo diz? Eu não me lembro bem dela.

– Sim, sua mãe é. Ela tem um rosto perfeito, sem nenhum defeito, é a mulher mais linda de toda a Grécia, e alem disso, é meiga e doce.

–Você acha que ela vai gostar de morar aqui ? Você não acha que ela gostava mais de morar em Tróia?

– Claro que vai gostar de morar aqui Nicostratos. Ela vai estar com você, com sua irmã e seu pai. Ela só foi morar em Tróia porque foi raptada. Você sabe disso.

Nicostratos não respondeu nada a Tértulo. Mas, não acreditava completamente no que ele dizia. Tértulo percebeu que o menino não era de todo ingênuo. Ele parecia se sentir um pouco inseguro sobre o amor de sua mãe. Haveria algum segredo escondido por traz daquele sentimento? Havia sido uma fuga da mãe e não um rapto como todos diziam?

Um pouco depois, Nicostratos e Tértulo já estavam dr volta ao rio Euródotos. O rio estava próximo, mas o palácio ainda estava longe. Nicostrato queria subir pelo rio e encontrar um caminho por entre as montanhas e o pequeno bosque que estava ao redor do rio. Muitas árvores haviam perdido as suas folhas devido ao inverno, mas não aquelas que estavam perto do rio e das montanhas. As árvores naquele ponto tinham a copa cheia de folhas, o que deixava o cenário ainda mais atrativo ao garoto. Mas, num momento ele se virou para trás e fixou o mar. Tértulo comentou:

– A planície da Lakônia oferece uma bela visão do mar, não é mesmo? Ela não é completamente plana, mas vai se elevando em direção as montanhas. Assim, de qualquer ponto dela podemos ter uma boa visão do mar.O menino não respondeu. Pelo que Tértulo virou-se para olhar o mar e viu o que atraía a atenção do menino. Havia dois navios chegando à praia.

– Minha mãe está chegando, Tértulo?

– Sim, talvez seja ela. Corra até ela. Certamente ela vai ficar feliz e vai te abraçar... E, Nicostratos, ela nunca mais vai te deixar de novo.

O menino olhou para Tértulo com uma expressão de surpresa. Tértulo dissera o que ele, no fundo do seu coração, queria ouvir. Então, olhou novamente para o mar e os navios e bateu em seu cavalo, correndo naquela direção.

Tértulo também olhava para os navios, mas não se movia. Seus pensamentos o seguravam. Ele não sentia muito preparado para se encontrar com Helena. “Quem será esta Helena?” Ele se perguntava. Tértulo, há algum tempo, procurava relembrar como fora Helena antes da guerra. Mas, naquele tempo ele não dava muita atenção à rainha. Ela aparentava ser uma mulher linda e meiga, como todos diziam. “Mas, quem era agora? Ela era uma vadia que trocava o marido por amantes, e que poderia ser manipulada por causa de seus amores secretos? Ou era uma mulher cheia de virtudes, e que atrapalharia seus planos? ” Tértulo, não podia deixar uma questão tão importante como esta ficar ser resposta.

 

(...)

Os navios que chegaram naquele dia não trouxeram Helena, esposa de Menelau. Eles traziam mais materiais, já talhados e prontos para a edificação do palácio. Chegavam pedras talhadas no tamanho exato para a construção e também havia portas, e outras peças de madeira, já bem elaboradas, o que facilitariam o andamento da obra. Helena, naquele momento estava em Corinto, na companhia de Clitemnestra, sua irmã. Quando o inverno passou, e o palácio ficou pronto ela partiu em direção a Lakônia.

Assim, Helena, a mais bela das musas gregas desembarcou em Helos no início da primavera. Trazia consigo varias arcas de cedro. Tinha vestidos, pulseiras, tornoseleiras, ungüentos e especiarias. Difícil descrever tudo que ela trouxe, mas o fato é que foram necessários 15 barcos para desembarcar todos os seus tesouros na praia.

Helena, montava um corcel branco enquanto observava seus escravos transportando várias arcas de cedro. O cenário que ela tinha diante de si também era animador. Menelau havia construído um belo palácio naquela praia. Só para ela, sua grande rainha, foram reservados vários aposentos e um lindo jardim interno. E como não podia faltar: um grande santuário para Afrodite no fundo do lindo jardim.

Mas, apesar das riquezas que a cercava, Helena não estava plenamente satisfeita. Inquieta, ela cavalgava de um lado para o outro. De certa forma estava decepcionada com a vitória dos gregos sobre os troianos. Ela não era capaz de admitir isto (nem mesmo para si mesma). Contudo, não escondia de ninguém a admiração que sentia pelos inimigos do povo Heleno.

Um dia havia comentado com Menelau que nunca havia apreendido a ser tão grega como no tempo em que viveu com os troianos. E não havia mentido. Alguns troianos possuíam de sobra valores almejados pelos gregos. Possuíam harmonia e beleza. Eram capazes de discutir melhor seus problemas entre si. E como tratavam suas esposas com classe! Helena se lembrava do príncipe troiano que havia lhe roubado de seu marido. “Ah! Páris, você realmente sabia agradar do meu jeito. Sabia perguntar pelos meus desejos, e não me dava presentes que eu não pedi.”

Helena olhou para o seu novo lar. Era um palácio branco que se erguia sobre uma pequena elevação. Ao seu redor do palácio, na planície que estava abaixo da construção, havia pequenas mudas de oliveira, e no meio destas uma estrada, que provavelmente ira ser coberto por pedras. Helena, tinha que admitir que era um cenário bonito. Mas, não era habitado por pessoas que possuíam a classe que combinava com o lugar. Menelau, não era elegante, e certamente, seus filhos lhe imitavam os modos. Helena bateu o chicote e fez seu cavalo cavalgar em direção da estrada.

Afinal, decidiu suportar Menelau. Compreendeu que ela descendia dos deuses do Olimpo, ao contrário de seu esposo, que vinha de uma família de guerreiros bárbaros. Continuaria a ensinar-lhe as virtudes dos reis. Não ia mais ficar calada. Ela iria exorta-lhe, admoestar-lhe, repreender-lhe. Insistiria como uma goteira que não cessa de cair do telhado. No final ele haveria de lhe ouvir. Já estava mudando em algumas coisas. E ela o faria mudar mais!

 

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